'O Livro da Selva' (1967), da Walt Disney
Atacado pelas suas posições imperialistas e belicosas, o autor de O Livro da Selva, primeiro escritor inglês galardoado com o Nobel, foi também aquele que ensinou um filho a tornar-se homem.

O primeiro britânico a receber o Prémio Nobel da Literatura, em 1907, nasceu em Mumbai, Índia, e faria hoje 150 anos. Viveu lá seis anos. Teve uma ama portuguesa, "católica, que rezava numa cruz à beira da estrada - comigo ao lado dela", escreve Rudyard Kipling na sua autobiografia, Something of Myself, publicada postumamente.

Ele, que morreu em 1936, foi um dos maiores e mais controversos escritores do Reino Unido. George Orwell (1903-1950), num ensaio que lhe dedica, chama-lhe um "jingo [patriota inglês belicoso] imperialista, moralmente insensível e esteticamente repugnante". E Kipling terá sido um "jingo imperialista", militarista, propagandista do colonialismo que apoiou a guerra dos Boers e não acreditava na autodeterminação dos indianos.

O homem das contradições
Mas também foi o homem que, com ternura, ensinou um filho a tornar-se um homem, no poema "If" (em português "Carta a um filho", escrito em 1895). A "arriscar numa única parada tudo quanto ganhaste em toda a tua vida" e, "ao perder", saber, "resignado, tornar ao ponto de partida". Ensinou a dar "ao minuto fatal todo valor e brilho", afirmando que, então, "és um Homem, meu filho!"

O "jingo" foi o homem que escreveu o primeiro e o segundo The Jungle Book (O Livro da Selva, 1894 e 1895), com as suas histórias ligadas por pequenos poemas. Com Mowgli, o rapaz criado por uma família de lobos e salvo pelo urso Baloo ou pela pantera Bagheera de Shere Khan, o tigre, ou com um rapaz esquimó que atravessa o Ártico guiado pelo espírito animal Quiquern, muitas crianças, assim introduzidas à moralidade da "lei da selva" e fora dela, terão aprendido algo sobre este mundo. Ainda que, como nos livros de J.M. Barrie ou Lewis Carroll, a compreensão clara disso só muito mais tarde apareça e ainda que essa compreensão possa ser dura. Walt Disney, aliás, rejeitou seguir o texto de Kipling na adaptação de O Livro da Selva para o cinema de animação por ser demasiado negro.
E era negro, talvez mais do que as cores que tem. Mas elas estão lá. Afinal, como escreveu G.K. Chesterton no seu Heretics (1905), a maior qualidade de Rudyard Kipling seria ter visto que "onde está a mais imunda das coisas também está a mais pura. Acima de tudo, ele tinha algo a dizer, uma visão definitiva das coisas, e isso significa sempre que um homem é temerário".
O propagandista do colonialismo também foi aquele que escreveu o poema "Gunga Din", o nome do indiano que é "um homem melhor" do que o soldado branco que escreve. Ou "We and they", que mostra que a permuta entre o ponto de vista do "nós" e de "eles" está a uma travessia de distância.

|notícia daqui|

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